30 de outubro de 2012

Mudança de blog

Galera, decidimos mudar para o Wordpress, mas tá tudo lá bonitinho, com um layout mais organizadinho e estiloso e tal!

Se quiserem continuar a nos acompanhar, só entrar em http://animusmundus.wordpress.com/

Abraços e até lá!

17 de outubro de 2012

Deriva no Recife ou O que fazer para fugir da rotina


Estou há uns 10 minutos tentando começar a escrever esse post sem ser muito chato, teórico ou metido a filosófico demais – como eu normalmente faço –, mas não acho que tenha conseguido. Enfim. Fato é que nós somos uma sociedade doente. Mecanizada demais, segmentada demais, individualista demais. Mas não se preocupem: não vou falar sobre a abolição do capitalismo ou da libertação do espírito humano para o retorno ao Éden. Não hoje.

Quero falar de coisas muito mais simples, de pessoas comuns, de coisas que vi, senti e não achei que existiam mais fora da lembrança da geração dos meus pais.



Tudo começou com um filme – um filme daqueles de máquina fotográfica analógica, 35mm, lembra? ou nunca conheceu? – e foi razoavelmente fácil achar um lugar que fizesse isso na Conde da Boa Vista. Quando deixamos na loja para revelar, a mulher disse que demoraria 2 horas para ficar pronto. "Amanhã, então", pensei. Mas claro que não seria assim; se fosse, esse texto não existiria.

Gabriela, sem muito esforço nem hesitação, sugeriu que esperássemos duas – duas – horas por lá pra pegar o as fotos reveladas logo e ir felizes para casa. "Meu Deus, o que a gente vai fazer durante duas horas na Conde da Boa Vista?". Saímos da loja e andamos alguns passos, quando ela quis ir no Beco do Fotógrafo. Nós já tínhamos ido lá; só tinha um monte de lojinhas velhas em um prédiozinho estranho que não ia ter nada pra a gente ver lá durante duas horas.

E tinha muita coisa.

Só uma pausa aqui na história, pra explicar o que é psicogeografia. Antes de mais nada, não foi algo que fizemos hoje. Bom, não por definição, apesar de nós termos decidido que foi. Essa definição ficou mais conhecida a partir de um filósofo-artista – ou artista-filósofo – Guy Debord e tinha como objetivo conhecer a cidade de maneira subjetiva.  E a técnica para isso seria a deriva:
Na deriva, uma ou mais pessoas durante um certo período esquecem seus motivos usuais para se movimentar e agir, suas relações, suas atividades de trabalho e lazer e se deixam ser atraídos pelo terreno e os encontros que acham lá... Mas a deriva inclui ambos se deixar ir e sua contradição necessária: a dominação da variação psicogeográfica através do conhecimento e cálculo de suas possibilidades.
Desculpem a coisa chata, mas precisei citar esse trecho.




Ou seja, se deixar levar pela cidade e pelas situações.

Entramos na primeira lojinha do Beco do Fotógrafo. Era uma lojinha que era parecida com aquelas lojas Tabira ou outra de revelar fotos, só que não revelava: só vendia produtos relacionados. Fomos atendidos por um cara simpático e muito constrangido. Não sei se é bem essa a palavra, mas ele não me parecia agir com muita naturalidade. Gabi, como às vezes ela faz, tornou muito mais divertida e complexa a simples tarefa de comprar um fone de ouvido: fez dezenas de perguntas sobre a durabilidade, qualidade, garantia, "tem como testar, moço?", se era stereo... eu sempre acho isso engraçado e dessa vez não foi diferente. Depois de mais algumas perguntas sobre um filme e eu pedir um produto qualquer, ela conseguiu pechinchar – pasmem – um real no final. Tá, isso não é muita coisa, mas o simples ato de conseguir pechinchar já é algo muito raro nos nossos dantescos shoppings.



Saímos de lá e fomos seguindo pelo beco. E chegamos em uma loja – que também já tínhamos visto – com milhares de máquinas fotográficas. Velhas, Canon, novas, Polaroid, lentes, inteiras, quebradas, Chine, Nikon, flashes. Todo. Tipo. De. Máquina. Entramos, eu ainda sem interesse e Gabi com uma curiosidade infantil pela qual tenho muita admiração. A loja era bem longa, mas entre a vitrine e o balcão não tinha mais de 1 metro e não cabiam mais de três pessoas. Uma velhinha estava ao balcão testando uma câmera. "Oi, vocês tão procurando o que?", disse a velhinha. Flash. Ela não era rude, mas também não tinha muito tato. "Nada exatamente... queria só dar uma olhada", Gabi tentou amansar, mas não adiantou muito. Flash.

A velhinha lá, que descobrimos ser Vilma, ficou um pouco mais simpática, embora sempre fosse bem objetiva. De repente, chegou seu Luís, o dono da loja, que nos contou sobre seu sonho de fazer um museu com as câmeras  – algumas delas não usavam nem filme em rolo, de tão antigas. Entre a conversa, ele disse que só vendia os modelos de câmera dos quais ele tinha mais de uma e nos mostrou uma que, segundo ele, já havia recebido centenas de ofertas monstruosas. Ficamos bem surpresos com a paixão, o conhecimento e a humildade dele, que repudiou a sugestão que demos de tentar entrar em algum edital do governo para realizar a exposição.

Saímos e entramos em uma loja de CDs. Sim, loja de CDs. O dono, de poucas palavras, ficou ajeitando alguns dos milhares de produtos que eu não faço ideia de como cabiam naquele espacinho tão aconchegante. Vimos várias capas antigas, novas; todas impecavelmente embrulhadas e conservadíssimas. E, só de ouvir aquele barulho nostálgico de caixas de CD batendo umas nas outras quando você procura em uma fila gigante, já valeu a pena saber que algumas tradições ainda existem.

Quando saímos, ficou apenas uma pergunta no ar: o que motivava essas pessoas? Por que razão eles levantavam todos os dias e iam trabalhar?

Passeamos mais um pouco pelo beco e passamos por uma loja de óculos. Dois senhores conversavam, e um deles tinha uma barba e bigodes muito peculiares; um Dalí quixotesco de cabelos razoavelmente longos. "Visse que véio estiloso da porra?", falei pra Gabi, sem saber que logo o chamaríamos de seu Antonio, o técnico de uma das grandes óticas de Recife por mais de 50 anos. Passamos por ele e, na volta, Gabi viu uma armação que a interessou. Seu Antonio conversava com um amigo, calmamente, e fez questão de nos deixar à vontade para provar quaisquer coisa de sua loja, olhando com um certo desdém para os óculos descascantes de Gabi e mostrando um que ele "queria ver descascar desse jeito". Lembrei que meus óculos escuros estavam sem, segundo ele, praquetas e perguntei quanto custava.

"Cinco reais já tá resolvido! Pode ver ali na tabela da outra loja da esquina: praqueta importada custa mais de dez reais!", cantando vitória. Não poderia discutir e, enquanto ele mexia nos óculos, ficamos provando vários outros, modelos que nunca tinha visto antes, óculos de John Lennon, Ray Bans e por aí vai. De repente, ele me entrega os meus óculos, que coloco na camisa dobrado e ficamos conversando um pouco, discutindo sobre as armações muito duradouras, modelos antigos ainda novinhos em folha. Ele nos mostra alguns modelos muito baratos de óculos incríveis, polarizados, discute o preço de lentes. Prometemos voltar pra comprar alguns óculos depois e fomos saindo. De súbito, eu lembrei que tinha esquecido de pagar e pegamos o dinheiro e o entregamos, "Eita, quase esqueci de pagar as plaquetas!", ao que ele respondeu que "qualquer coisa, pagava na próxima". "Na próxima, a gente só paga os óculos!", ao que ele riu.

Quando saímos andando na rua, que peguei meus óculos de novo, notei que ele não só tinha colocado as plaquetas de silicone importadas, como tinha apertado as pernas – que já estavam toda desreguladas –, desentortado o óculos e limpado a lente. Por cinco reais dos quais ele sequer faria questão.

Vagarosamente voltando para o mundo real, ficamos invariavelmente satisfeitos de ter esperado quase duas horas pela revelação daquele filme. Ali, deu até pra pegar naquele sentimento nostálgico que faz as pessoas estarem ali, sim, por paixão; também por hábito, mas principalmente por paixão. Todos eles faziam o que faziam com gosto, disso eu tenho certeza: caso contrário, não teriam nos impactado tanto.

E é isso que eu quero fazer.

Portanto, minha gente, saiam de seus carros. Deixem de seguir pelos mesmos caminhos todos os dias, para ir e voltar do trabalho. Peguem ônibus, conversem com pessoas, andem por ruas diferentes – mas cuidado quando for fazer isso: infelizmente, nossa deriva tem que ser bem contida. As cidades são organismos vivos: seus carros estão entupindo as vias do Recife. Não vamos esperar que ele tenha um infarto fulminante, vamos mudar nossos hábitos e valorizar nossas pessoas, nossa cultura, nossa tradição. Isso nós temos de sobra.


5 de setembro de 2012

Poe, Sonho e Morte


Sonhos aparecem tanto explicita quanto subliminarmente nos textos de Poe. De ambas maneiras, os elementos que definem sonhos são muito presentes em seus textos. Além disso, a abordagem dele acerca disso nos fazem perguntas que ainda estão para ser respondidas, mesmo no nosso mundo contemporâneo.


Inception before it was cool

Dream within a dream começa com alguém sendo posto para dormir:
Take this kiss upon the brow!
And, in parting from you now,
Thus much let me avow—
Essa cena está relacionada a um personagem mítico do folclore do norte da Europa: o Sandman. Esse conto registrava uma entidade que suavemente salpicava areia nos olhos das crianças para que elas dormissem – acordando, assim, com areia nos cantos dos olhos. A partir daí, Poe relaciona novamente areia com o sonho, pois ele tenta segurá-la em suas mãos, assim como à sua vida e memórias:
And I hold within my hand
Grains of the golden sand—
(...)
O God! can I not grasp
Them with a tighter clasp?
O God! can I not save
One from the pitiless wave?



A areia, portanto, é um símbolo relacionado com a passagem do Sonhar para o mundo real.

Outro elemento importante está em uma das imagens mais marcantes da obra de Poe, The Raven, relacionado com a mitologia nórdica, na qual Odin – o Pai de Todos – possui dos corvos: Huginn e Munnin. Eles são capazes de falar e são como mensageiros do Raven-god, como ele também é conhecido. Os corvos representam pensamento (aspecto espiritual) e memória (aspecto material), e, por consequência, mundo real e Sonhar, respectivamente. Nevermore, em Poe, é um mensageiro:
(...)Fancy unto fancy, thinking what this ominous bird of yore— What this grim, ungainly, ghastly, gaunt and ominous bird of yore
Meant in croaking “Nevermore.”
(...)
Prophet!” said I, “thing of evil!—prophet still, if bird or devil!—(...)





Outro ponto muito forte em Poe, é a morte. Na mitologia grega, Morpheus, Hypnos e Thanatos são irmãos¹. Inclusive, na história do Sandman, Ole Lukoje – Ole Fecha-olhos, como também é conhecido – tem um irmão de mesmo nome, que só visita as pessoas uma vez, para um sono eterno. Portanto, Sonho está intimamente ligado com Morte; o que cria a pergunta que Poe faz, mas ainda sem resposta:
Is all that we see or seem
But a dream within a dream?


Em Matrix, temos a mesma pergunta: o que é a realidade? Quando Morpheus oferece a Neo as duas pílulas, reconhecemos a versão moderna do mito já citado: a pílula é a areia. É a passagem do Sonhar para o mundo real. Neo escolhe acordar.

Todas essas imagens são reforçadas em Sandman, a graphic novel mais profunda do nosso tempo, já que todos esses elementos são reforçados: areias, sonhos e corvos. Gaiman nos diz que é Sonho que define a realidade, assim como Morte define a vida". Porque nós sabemos que acordaremos de um sonho, Poe usa essa imagem para nos perguntar sobre a Morte – um sonho do qual nós sabemos que não vamos acordar.







¹ De acordo com Hesíodo, Morpheus é o deus dos sonhos e lider dos Oneiroi. Hypnos e Thanatos são irmão gêmeos. De qualquer maneira, a depender do ator, varia seu parentesco. Por exemplo, Ovídio diz que Morpheus é filho de Hypnos.



Dreams appear both explicitly and subtly in Poe's work. Either way, the elements that define dreams are very present in his texts. Furthermore, the approach made towards it rises questions that are yet to be answered by our modern world.
Dream within a dream begins with someone being put to sleep; this scene is related to a mythical character in Northern European folklore: the Sandman. This tale recorded¹ an entity that gently sprinkled sand in children's eyes to make them sleep. Hereafter, the poem relates again to sands, for he tries to take hold of it as he tries to take hold of his life and memories. The sand, thus, is a symbol that is related to the passing from the dreaming to the waking.
Moreover, one of Poe's strongest images, The Raven relates to Norse mythology, whereas Odin – the All-father – has two ravens: Huginn and Munnin. They are capable of speaking and are as messengers of the Raven-god. They stand for representations of thought (spiritual aspect) and mind (earthly aspect), as much as waking and dreaming, respectively. Much like Nevermore is a messenger in the poem. 
It may be argued that Death is a mostly recurrent theme in Poe's work. In Greek mythology, Morpheus, Hypnos and Thanatos are brothers². Therefore, Dream is intimately close to Death; leading us to the ultimate question Poe asks³ that is still unanswered. The Matrix brings the very same question: what is reality? When Morpheus gives Neo the chance to choose the pill, it is the sand he is offering: the passage from the dreaming to the waking.
The whole imagery is yet reinforced on Sandman⁴, the most powerful graphic novel of our time for it displays the very same elements: sand, dreams and raven. Gaiman tells us: "it is Dream that defnines reality as much as Death define life"⁵. Therefore, for we most surely know we shall wake up from a dream – but we don't have the same certainty as for death –, Poe uses the image of Dream to ask us the questions about Death.
¹ Hans Christian Andersen recorded the folktale Ole Lukøje in 1841
² According to Hesiod, Mopheus is the god of Dreams and leader of the Oneiroi. Hypnos and Thanatos are twin brothers. There are differences regarding their parenthood, though; for instance, Ovid says Morpheus is son of Hypnos.
³ From Poe's Dream within a dream:
Is all that we see or seem
But a dream within a dream?
⁴ A graphic novel written by Neil Gaiman. It chronicles the adventures of Dream, who rules over the Dreaming.
⁵ The Sandman #48: Brief Lives, Chapter 8

1 de setembro de 2012

A subversão do Prometeu

❦ 

Frankenstein é a imagem perfeita do zeitgeist romântico por retratar todas as questões filosóficas, sociais, científicas, políticas e literárias importantes da época. Dessa maneira, Mary Shelley subtitulou a obra de O Prometeu Moderno, embora Frankenstein tem um papel mais de um anti-Prometeu: essa subversão intencional e necessária para que a obra se tornasse um mito moderno.


Aconselho ler o post de Italo para entender quem era o Monstro


O Romantismo foi um movimento que se espalhou em todas as facetas da sociedade. Seja o idealismo democrático que incentivou as revoluções Francesa e Americana ou a mudança de paradigmas artísticos contra governos autoritários e modelos clássicos para dar lugar a uma ênfase maior no individualismo e na expressão individual. Mary Shelley estava no epicentro dessa revolução¹. Portanto, ela não poderia deixar de desempenhar seu importante papel em unir as idéias mais influentes do seu tempo para criar uma obra-prima fundamental para o nosso mundo moderno.



Nossa humilde Mary Shelley, escrevendo Frankenstein no castelo de inverno de Byron, na Suíça


Em versões mais recentes da mitologia grega, Prometeu moldou a humanidade do barro, ensinando-os a viver em sociedade, além de entregar-lhes o fogo. Além disso, ele sempre foi tido como um rebelde perante Zeus. Junto aos humanos, chegou a enganá-lo², e foi castigado a ficar preso a uma rocha, onde uma águia viria bicar seu fígado pelo resto da eternidade. O mito nos mostra que Prometeu possuía imensa empatia com sua criação.



Estudo digital de Prometeu Acorrentado de Rubens


Mesmo que muitos elementos – fogo, descida do céu, conhecimento – sejam recorrentes entre os dois mitos, Frankenstein abomina sua criação. Esse é o ponto crucial que faz de Frankenstein uma obra tão única e poderosa: subverter um mito tão forte no inconsciente coletivo para dar lugar ao novo zeitgeist.


A regeneração da raça humana³ não poderia ocorrer caso não houvesse um mito tão forte a segurando. Mary conseguiu criá-lo na mesma medida que subverteu um mito tão antigo e dominante que está nas mitologias fundamentais do pensamento ocidental: a cristã e a grega.



¹ Mary Shelley era, basicamente, um gênio. Filha de um ex-padre que se tornou ateu e filósofo radical anarquista e de uma mulher extremamente politizada: escritora, educadora e filósofa, foi a primeira feminista da história. Se casou com Percy Shelley, influente poeta romântico e escreveu essa obra em um concurso simples que fez com seus amigos, entre eles, Byron.

² Certa vez, Prometeu fez com que os homens realizassem duas oferendas para Zeus: um estômago de boi cheio de carne e uma carcaça de ossos coberta de carne deliciosa. Ele escolheu a segunda, porque avaliou apenas o exterior das oferendas. Zeus, puto com Prometeu, tirou o fogo dos homens. Em resposta, Prometeu roubou o fogo e o entregou de volta.


 ³ Foi assim que Robert Southey definiu o movimento romântico 


❦ 



Frankenstein is a perfect portrait of Romantic zeigeist for it adresses to the most important philosophic, social, scientific, political and literary issues. This essay will argue that while Mary Shelley has subtitled it The Modern Prometheus, Frankenstein plays the role of rather an anti-Prometheus and that this subvertion was intended and needed to achieve the role of modern myth.
Romanticism was a movement that spread throughout all society: be it the democratic idealism that fueled French and American revolutions or the artistic mindshift against authoritarian governemnt and classical models to more emphasis on individualism and personal expression¹. Mary Shelley was in the center of this revolution². Therefore she could not help but play her role by gathering the most influential ideas of her time and create such a fundamental masterpiece.
In some later versions of Greek mythology, Prometheus fashioned humans out of clay, taught them civilizing arts and gave them fire. As a challenger of Zeus, he played a trick on a sacrificial meal³ which enraged Zeus, who took away the fire. Prometheus then stole it back and restored it to mankind. As an ultimate punishment, Zeus bound Prometheus to a rock where his liver was eaten by an eagle everyday. The myth shows us Prometheus had affection for his creation and cared for them.
Even though many elements – fire, descent from the sky, knowledge – are exactly the same, Frankenstein abhores his creation. This is the crucial point that makes Frankenstein so unique and powerful: to turn around so strong a myth in our unconscious to give place to our modern version.
The regeneration of the human race⁵ could not have happened had it not had a powerful myth to support it. Mary was able to create it as she managed to turn upside down an ancient myth, ocurred in both most influential mythologies of western world: Greek and Christian.


 

¹ KARBIENER, Karen. Introduction - Cursed Tellers, Compelling Tales – The endurance of Mary Shelley's Frankenstein. Barnes & Noble Classics
² Her father was a former minister turned atheist, radical philosopher and supporter of anarchism; her mother, a feminist philosopher, educator, and writer. Wife of Percy Shelley and friend of Lord Byron.
³ Hesiod's Theogony tells us that he placed two sacrificial offerings: a selection of beef hidden inside an ox's stomach and the bull's bones wrapped in "glistening fat". Zeus chose the latter, setting a precedent for future sacrifices.
 The early versions of Prometheus are bound to Pandora's box
 According to poet Roberth Southey 

24 de agosto de 2012

Frankenstein: Livro vs. Cinema


A imagem do monstro da obra "Frankenstein", publicada por Mary Shelley em 1818, é hoje mundialmente conhecida. Entretanto, este legado é derivado muito mais das adaptações feitas para as telas do cinema do que da leitura dos escritos de Shelley.

No cinema, o monstro atende pelo próprio nome da obra: Frankenstein; e é posto de maneira caricatural: um ser de altíssima estatura, de pele esverdeada, repleto de poder de destruição e de poucas palavras. Todavia, parte deste roteiro não foi extraído da estória original. Quem é, então, Frankenstein?


Em primeiro lugar, o nome Frankenstein em momento algum durante a obra foi posto ao monstro. Este havia sido abandonado pelo seu criador a um ponto em que não teve direito a um elemento que é atribuído a um indivíduo, antes mesmo do seu nascimento: um nome. A besta anônima foi moldada por Victor Frankenstein, um estudante da Universidade de Ingolstadt ¹.

Em segundo lugar, a criação do Dr. Frankenstein é descrita de uma forma distinta daquela que foi suscitada nas telas do cinema. Esses são alguns de seus aspectos, segundo o próprio Victor: "sua pele era amarela e mal cobria o trabalho dos músculos e artérias abaixo" (Capítulo 5), "corre com a velocidade de um raio" (Capítulo 23), "é eloquente e persuasivo" (Capítulo 24).

Não obstante, o monstro aprendeu a falar e a ler em francês e alemão sem o auxílio de professores, e era apaixonado pela descoberta de clássicos da literatura mundial como Plutarco, Goethe e John Milton.

Então a besta anônima era um escolástico? Não. Embora fosse virtuoso, a fera se tornou perversa. Inúmeras vezes os seus encontros com os humanos não foram construtivos: a sua mera aparição causava pânico entre as pessoas e todas elas o atacavam ou escapavam de sua presença. Na mesma medida em que esses maus encontros aconteciam, o monstro se tornava rancoroso e, chegou a um ponto em que tornou universal a sua noção de que todos os homens seriam ruins e que ele mesmo deveria se proteger deles a todos os custos ².

A obra Frakenstein trata, por exemplo, da amabilidade doméstica, dos fundamentos do conhecimento científico, do papel da mulher na sociedade vitoriana e de tantos outros temas que podem ser extraídos. Ela é uma obra que foi, no decorrer do século passado, recriada pelo cinema de uma forma em que se perdeu a imagem do monstro como um ser angustiado, virtuoso, confuso e abandonado pelo seu criador no meio de um mundo estranho. Portanto, não se deve reduzir esta obra ao dia das bruxas, mas vê-la como uma investigação da pluralidade da consciência humana.

Escrito por Italo Lins (em 24 de agosto de 2012).

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Notas:

¹ Victor uniu preceitos alquímicos cunhados por filósofos medievais como Albertus Magnus e Parecelsus em conjunção à física newtoniana a fim de dar vida a um corpo inanimado. Ele deu luz ao problema aristotélico da Psykhé/Pneuma (o sopro de vida que garante movimento aos corpos). Todos esses elementos científicos são abordados com um campo conceitual rigoroso por Shelley no decorrer da sua obra.

² A fúria da besta surgiu como resposta à maneira como era tratada. A sua natureza, por outro lado, durante a obra, era considerada boa. Shelley, embora não mencione este filósofo, parecia ser adepta do pensamento de Jean-Jacques Rousseau ("o homem é bom por natureza, mas a sociedade é a responsável pela sua corrupção"). O monstro seria, então, um "bom selvagem".
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Essay:


Shelley's masterpiece is characteristically philosophical. To be more precise, it deals with a stream of natural philosophy formally known as epistemology¹. Throughout the novel, mostly in the first six chapters, it is easy to perceive the whopping quarrel between medieval alchemy (represented by Albertus Magnus and Paracelsus) and modern science (represented by Sir Isaac Newton). This essay, therefore, is going to show how Victor Frankenstein managed to unite both traditions [alchemy and science] in his metaphysical inquiries with dreadful success.


During his stay in Ingolstadt, Victor Frankenstein was interested in an Aristotelian concept known as "psykhé". Psykhé, according to the Greek philosopher, is a principle of vital nature that animates the body (sometimes it is also understood as "soul" or "intelligence"). Victor aimed to know, in other words, how material elements such as the human body could be animated by something immaterial like a soul.


On the one hand, Paracelsus and some scholastics held that this union was possible because a human being was composed of only three substances: Sulfur would generate the soul (emotions); Salt would form the body; and Mercury would nurture the spirit (mental faculties). The Tria Prima, as he called it, allowed Victor to create a new vivacious being.

On the other hand, Dr. Frankenstein didn't forget the Newtonian laws of physics that pushed him down to a world established by a multiplicity of forces. So, everything was set according to these natural laws because, even though he didn't explain how it happened, no supernatural events (such as rituals) occurred.

Victor Frankenstein united the principles of alchemy and modern science to perform his experiment. His metaphysical enterprise culminated into physical results that changed, at least in Shelley's plot, the modern conceptions of knowledge. Unfortunately, such as the myth of Prometheus², it ended in misfortune and left the idea that knowledge is possible - but it comes at a high price.

Written by Italo Lins (20th August, 2012).
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Note:
¹ Epistemology is the study of the definition, possibility and extension of human knowledge. Greek terms: it is "Episteme" (knowledge) plus "Lógos" (rational, discursive reasoning).

² Prometheus was a titan reported in Hesiod's Theogony that brought light (metaphor: "reason", "technique", "knowledge") to the human beings. He, on the other hand, was severely punished by Zeus and was left to a hawk that has been eating his liver irrevocably.